quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Mais impostos?

O ano de 2010 terminou com o valor recorde de R$ 1,27 trilhão em impostos pagos pelos brasileiros, segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Neste ano, será preciso um bolso ainda mais fundo: a previsão do instituto é de que a arrecadação cresça cerca de 10%, para R$ 1,4 trilhão.
(Esta é a primeira de uma série de reportagens que o G1 publica, a partir desta semana, sobre as perspectivas para a economia brasileira em 2011 em diversos setores).
"Se o governo está arrecadando mais, há espaço para diminuir alíquotas e desonerar alguns tributos", defende a vice-presidente do IBPT, Leticia Amaral. Em entrevista ao G1 (leia abaixo), no entanto, ela diz que não vê vontade política para a aprovação de uma reforma tributária.
Com o objetivo de pressionar por uma maior eficiência dos gastos públicos, o IBPT deve lançar, neste ano, o "Gastômetro". O indicador, que será "parceiro" do Impostômetro, deve funcionar como mais uma ferramenta de denúncia da elevação da carga tributária e vai mostrar para a população o destino do dinheiro da arrecadação.
"Será uma complementação. Se o Impostômetro apontou a R$ 1,27 tri de arrecadação, o gastômetro vai mostrar o que o governo faz com esses R$ 1,27 tri", explica Letícia do Amaral, vice-presidente do IBPT. "Com a ferramenta será possível ter uma noção de quanto o governo destina para áreas essenciais como saúde e educação e quanto vai para gastos supérfluos."
A ideia é criar uma espécie de ranking dos principais destinos dos recursos arrecadados e identificar quanto o governo efetivamente despende para pagamentos de dívidas, folha de pagamento, custeio, previdência e investimentos.
"O mais difícil é desenvolver uma ferramenta e uma metodologia para computar todas as informações oficiais do governo e dos estados e municípios", afirma Letícia. Segundo a advogada, ainda não há previsão da data de lançamento do "Gastômetro".
Na entrevista a seguir, Letícia do Amaral fala sobre as expectativas em relação ao governo Dilma, o impacto de uma recriação da CPMF e propostas de simplificação do cálculo dos impostos e tributos.
Letícia do Amaral, vice-presidente do IBPTLetícia do Amaral não vê vontade política para
reforma tributária (Foto: Darlan Alvarenga/G1)
G1 - Segundo o Impostômetro, a arrecadação de impostos e tributos em 2010 foi recorde, atingindo a marca de R$ 1,27 trilhão. Qual é a previsão para 2011?
Letícia do Amaral - O aquecimento da economia deve continuar e isso vai refletir na arrecadação tributária. O país está enquadrado num cenário muito favorável por causa de Copa e Olimpíadas, o que atrai muito investimento. A previsão para 2011 é de um aumento de 10% em relação a 2010, o que deve levar a uma arrecadação de R$ 1,4 trilhão.
G1 - A arrecadação tributária cresce num ritmo maior que o da economia. Isso é desproporcional?
Letícia - Historicamente, a arrecadação sempre cresce mais do que o PIB, por isso a carga tributária sempre aumenta de um ano para outro. Mas a população não sente na mesma proporção uma melhora na qualidade dos serviços públicos. O crescimento econômico vem gerando mais empregos e consumo, o que reflete na arrecadação. Além disso, o governo vem aprimorando suas técnicas de fiscalização e reduzindo a sonegação. Mas há um desequilíbrio porque, se o governo está arrecadando mais, há espaço para dimimuir alíquotas e desonerar alguns tributos.
G1 - Em seu discurso de posse, a presidente Dilma defendeu a modernização do sistema tributário. É um bom sinal de que o tema será de fato enfrentado?
Letícia - A reforma tributária não saiu porque não houve vontade política. Acho difícil que surja essa vontade agora. Da mesma forma que ela fala que é prioridade mexer na tributação, fala-se também em recriar a CPMF, o que é contraditório. Que o tema é urgente, não há dúvida, mas não há garantia de nada. O que o governo tem feito é mexer em setores muito pontuais, ligados à infra-estrutura e ao PAC, mas existem áreas primordiais que ainda são muito tributadas. O peso dos impostos nos medicamentos, por exemplo, varia de 25% a 30%.
G1 - No Brasil, os governos costumam dizer que impostos elevados são necessários para manter um Estado forte. A carga tributária no Brasil é justa?
Letícia - Claro que não é justa. O peso da carga tributária em relação ao PIB em 2010 deve ficar em torno de 35,5%. Em 2009, foi de 34,5%. Recentemente, o IBPT divulgou um estudo mostrando que o Brasil ocupa o 1º lugar em carga tributária entre os países emergentes. Só perdemos para países altamente desenvolvidos. É claro que o Estado precisa arrecadar tributos para funcionar, mas temos os Estados Unidos, por exemplo, onde a carga tributária é de 25%. Países no mesmo estágio de desenvolvimento do Brasil, como México, Rússia, Índia, China, têm carga tributária de menos de 20%. Quando um país reduz a carga tributária acaba ajudando na elevação do PIB, porque sobra mais dinheiro para investimento e produção interna.
G1 - A desoneração depende necessariamente da aprovação de uma reforma tributária no Congresso ou há alternativas que dependem somente de medidadas do Executivo?
Letícia - O histórico que nós temos de reforma tributária não é muito vantajoso para o contribuinte, mas sim para o governo. Nos últimos anos o que se viu foram medidas que acabaram por inflar a fórmula de calcular os tributos, prorrogaram algum tributo ou então tornaram o sistema ainda mais complexo. O que defendemos é uma reestruturação administrativa. O governo tem que começar a gerir melhor os seus gastos. Além disso, você pode mexer no sistema sem falar necessariamente numa reforma tributária. Aprovar uma lei ordinária é muito mais fácil do que uma emenda à Constituição. E tem como desonerar grande parte de produtos sem depender de projetos de leis. Uma alíquota de IPI pode ser mudada por decreto.
"O anseio de todos é pela simplificação, só o que as empresas gastam com toda a burocracia representa uns 2% dos seus custos"
G1 - E quais seriam as mudanças tributárias prioritárias?
Letícia - O anseio de todos é pela simplificação, só o que as empresas gastam com toda a burocracia representa uns 2% dos seus custos. Mas uma mudança urgente é na fórmula de calcular os tributos. A própria configuração do sistema tributário faz com que a arrecadação se eleve. Ao contrário de outros países, temos tributo incidindo sobre tributo, o chamado efeito cascata: Pis e Confins na base de cálculo do ICMS, e ICMS na própria base de cálculo do ICMS. Essa é uma aberração que só existe no Brasil. Outra mudança muito simples seria mudar o prazo de vencimento de determinado tributo. Hoje, a empresa vende a prazo e paga o tributo antecipadamente. Um projeto de lei poderia dilatar os prazos de vencimentos e permitir que os tributos fossem pagos no momento em que a empresa efetivamente receber o dinheiro da venda.
G1 - Num contexto de reformulação tributária, haveria espaço para a criação de uma Contribuição Social para a Saúde (CSS) para aumentar os investimentos na área da saúde?
Letícia - O país não precisa de recriar a CPMF. O governo já tem recursos para destinar à saúde e não destina. As verbas para a área correspondem a cerca de 5% do PIB, o que é muito pouco e mostra que o setor não é tratado como prioritário. Essa forma de cobrança de tributo é muito benéfica para o governo, mas o efeito dela é nefasto porque atinge toda movimentação financeira. A CPMF incide em todas as etapas da produção e acaba tendo impacto também no preço final dos produtos.
G1 - Setores da indústria de exportação têm reclamado não só do dólar baixo, mas também do peso da carga tributária. Que medidas de desoneração poderiam ser feitas?
Letícia - As exportações já têm uma tributação bem menos elevada. O que o governo pode fazer é mexer na tributação interna, nas alíquotas gerais que fazem parte da cadeia de produção de setores que dependem da exportação.
G1 - Segundo pesquisa do IBPT, o Brasil aparece em 2º lugar num ranking de 26 países com maior tributação direta sobre salários. É possível baixar esse custo?
Letícia - A desoneração da folha de salários deveria ser uma das metas do novo governo. No ano passado, quem tinha carteira assinada trabalhou em média 148 dias só para pagar imposto, o que dá quase cinco meses. A tributação da folha de salários tem peso de cerca de 50%, o que é muito alto. Mas para mudar isso o governo terá que mexer também na Previdência, que sofrerá impacto direto se houver desoneração na folha de salários. Por outro lado, o governo pode mexer no Imposto de Renda, que está com a tabela defasada há anos.
G1 - Depois do Impostômetro, O IBPT estuda lançar o "Gastômetro" e o "Corruptômetro". Como funcionariam essas ferramentas?
Letícia - Será uma complementação. Se o Impostômetro apontou a R$ 1,27 tri de arrecadação, o Gastômetro vai mostrar o que o governo faz com esses R$ 1,27 tri. Com a ferramenta será possível ter uma noção de quanto o governo destina para áreas essenciais como saúde e educação e quanto vai para gastos supérfluos. Já o Corruptômetro será uma ferramenta para estimar o volume de dinheiro público desviado, mas é algo mais complicado, vai ter que ser na base de estimativas, já que corrupção não é algo transparente.
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